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Sucessão familiar exige cuidados
As empresas familiares, sejam elas de grande, médio ou pequeno porte são responsáveis por mais de 90% dos empreendimentos no País e geram em torno de 60% dos postos de trabalho.
Luciane Medeiros
As empresas familiares, sejam elas de grande, médio ou pequeno porte são responsáveis por mais de 90% dos empreendimentos no País e geram em torno de 60% dos postos de trabalho. Da padaria da esquina à megarrede de lojas, o embrião dos negócios, na maioria das vezes, está na família. A continuidade dessas organizações, fruto de anos de trabalho e esforços de seus fundadores, pode chegar ao fim quando a sucessão não estiver no planejamento.
A gestão das empresas familiares deve ser conduzida de forma que os interesses não se misturem. Nos últimos anos o surgimento de consultorias específicas tem auxiliado os empresários na tarefa de preparar um sucessor, seja ele um parente, sócio ou pessoa contratada para a função. O advogado Zulmar Neves é um dos que atua na área. “Trabalhamos em um processo com a intenção de profissionalizar a companhia de forma a perpetuar o negócio. O objetivo é permitir que a família se mantenha na medida do possível no comando da empresa, embora nem sempre isso represente estar na direção operacional”, explica.
A assessoria deve ser realizada de forma harmoniosa, segura e proveitosa tanto para a família quanto para a empresa. O ideal é separar definitivamente a família empresária da empresa, criando mecanismos para que essa distância maior não se configure em um afastamento. Quando a preocupação do empresário está centrada em trabalhar e expandir os rendimentos, a preparação de um sucessor fica em segundo plano. Ao surgirem problemas como o afastamento do gestor por morte ou doença, por exemplo, vem a dúvida: quem assumirá a administração? Como nem todos os empresários têm em sua família bons sucessores, Neves aconselha a procurar no grupo um funcionário que possa desempenhar bem o cargo ou até a chamar um profissional do mercado.
O Instituto Sucessor é outro que trabalha voltado à gestão da sucessão em empresas familiares, contando com o apoio de profissionais de diversos setores entre os quais administradores e psicólogos. Conforme a sua fundadora Magda Geyer Ehlers, cada vez mais as empresas têm se organizado no intuito de preparar alguém para assumir a chefia quando houver necessidade. “Sem continuidade programada não há como garantir sobrevivência. Hoje a economia do País está bem, amanhã não sabemos como estará”, argumenta Magda.
A consultoria é realizada dentro da companhia envolvendo proprietários e funcionários. Quando há mais de um sócio, o trabalho passa por uma série de negociações até chegar a uma decisão conjunta, o chamado acordo societário. Firmado entre os sócios e herdeiros, surge da necessidade de se estabelecer um equilíbrio no relacionamento entre as partes, minimizando possíveis conflitos de interesse.
Ferramentas de controle auxiliam o acompanhamento da gestão
A falência de uma empresa não afeta apenas aos seus fundadores. O encerramento de um negócio atinge a todos aqueles que nele trabalham e também suas famílias. “A responsabilidade social de uma empresa supera a figura dos proprietários”, destaca o advogado Zulmar Neves. Até por força de disposição legal, mesmo que o dono queira dissolver uma sociedade, a legislação impede. Aqui entram os interesses dos chamados stakeholders, representados pelos funcionários, seus familiares e outras partes relacionadas ao negócio.
As corporações devem ser preparadas para se perpetuarem e desenvolverem infinitas sucessões. A taxa de mortalidade das empresas brasileiras ainda é elevada, apenas 30% delas sobrevivem em torno de cinco anos ou mais. As que não encerram as atividades, com o processo de globalização, acabam sendo absorvidas por grupos de multinacionais.
Enquanto nações da Europa possuem corporações com 200 anos ou mais, no Brasil elas estão chegando agora aos cem anos. “As europeias já passaram por várias sucessões, diversas gerações foram preparadas para assumir o comando”, diz o sócio da consultoria Siegen Fábio Bartolozzi Astrauskas.
Bolívar Charneski, sócio fundador do escritório Charneski Tributos e Consultoria, lembra que não há uma receita de bolo para o processo de sucessão familiar. Ele sugere que a situação seja avaliada assim que a empresa passe da etapa de empreendimento e torne-se viável, consolidada por seu produto e potencial de mercado.
Família, propriedade e empresa devem ter sua participação e espaços definidos. No caso da primeira, devem ser definidas regras de convivência sem que a relação interfira no negócio. No quesito propriedade é preciso separar onde estão os bens pertencentes à família sem relação direta com a companhia. A empresa, razão de tudo, da vida econômica, patrimonial e familiar deve estar estruturada dentro de um processo de funcionamento e profissionalização.
A aplicação das regras de governança corporativa contribui para o êxito da empresa. A adoção de ferramentas de controle que busquem a transparência, responsabilidade, igualdade, efetividade e a prestação de contas, entre outros pontos, são fundamentais. Nesse contexto está inserida a atuação do contador. Cabe a ele orientar o empresário e ajudar a produzir uma contabilidade cada vez melhor. “Com normas de controle que transmitam transparência, a família e demais interessados terão condições de acompanhar a realidade da empresa”, afirma Charneski.
De acordo com o consultor Astrauskas, a intenção das companhias nacionais pela abertura de capital é um fator que aumenta a necessidade dos fundadores de passar o bastão a um herdeiro ou outra pessoa desde que esta esteja apta para a função.
Jovens dão continuidade a empreendimentos dos pais
O número de mulheres ocupando cargos de chefia é cada vez maior nas empresas brasileiras. Se no passado a inexistência de um herdeiro homem era sinônimo de falta de sucessor, atualmente a experiência e dedicação feminina ocupam essa lacuna. E isso nos mais diferentes setores. É o que ocorre na Somar, mineradora de areia. Fundada em 1976 por Osvaldo Della Mea, hoje tem na diretoria executiva sua filha, Verônica Della Mea.
O fato de ser mulher, diz Verônica, não é o maior fator de estranheza junto àqueles com quem negocia. A pouca idade - apenas 30 anos - é o que gera mais surpresa. O trabalho no grupo teve início aos 18 anos. Nesse período passou por todos os setores, o que possibilitou pleno conhecimento das atividades. Com graduação em Publicidade e Propaganda, área onde nunca atuou, acumula a experiência de 12 anos no mundo da mineração.
Além do conhecimento obtido na prática diária busca aperfeiçoamento por meio de leituras, muitas delas sugeridas por seu pai, que desempenha a função de conselheiro na Somar. “A mineração está no meu DNA, cresci nesse meio. Aos poucos fui preparada por meu pai para assumir o comando da empresa, o que ocorreu sem imposição”, diz Verônica, que tem outros dois irmãos, Leonardo e Victorio.
A empresária Carmen Flores chegou a pensar que não teria alguém que desse continuidade à rede de lojas de móveis fundada por ela. A filha única, Maribel, não demonstrava interesse pelo mundo dos negócios. Cursou Pedagogia e Psicologia e chegou a ter uma escola. Até que um dia o gosto por móveis começou a surgir e Maribel, hoje com 34 anos, solicitou à mãe um local na loja, onde criou o Mundo dos Sonhos, espaço de móveis para crianças. Ela passou a se envolver no comércio e se prepara para assumir o lugar da mãe. “Enquanto Maribel trabalha o lado psicológico junto aos funcionários, eu sou mais razão”, diz Carmen.
Quem pensa que trabalhar na empresa da família é sinônimo de proteção não encontrará essa situação na Guarida Imóveis. Com 32 anos de mercado, o grupo nasceu da iniciativa de três irmãos: Ayron, Ederon e Iandara da Silva. O atual diretor presidente, o irmão Julio Cesar Soares da Silva, 42 anos, começou a trabalhar ainda na infância e tornou-se sócio em 1990. Ele diz que, na maioria das empresas, há muito paternalismo com vantagens. “Na Guarida é diferente, se é de sangue há uma razão a mais para fazer além do que os demais fazem.”
Espaço precisa ser conquistado por legitimidade
A existência de laços sanguíneos não é garantia de que um herdeiro assumirá o controle operacional da organização. Pelo contrário, o melhor, tanto para os negócios quanto para a família e funcionários é que o comando fique nas mãos de uma pessoa realmente capacitada, mesmo sem grau de parentesco.
“Não adianta impôr, o espaço precisa ser conquistado por legitimidade e por competência”, diz a consultora Magda Geyer Ehlers. Só sobrenome não garante, pelo contrário, pode até dificultar. Há toda uma expectativa em torno de quem ficará no lugar do dono. Ela diz que um erro do sucessor, quando trata-se de um membro da família, tem um peso maior do que o de outra pessoa.
O contador Bolívar Charneski concorda. “O fato de ter relações afetivas e de sangue deve ser tratado separadamente dos negócios. Os integrantes da família devem entrar apenas após provarem sua capacidade e méritos.” Segundo Charneski, no Brasil mesmo as companhias abertas mantêm características familiares. Nos Estados Unidos é diferente, a operação é feita pelo mercado. “É o que acontece com as Lojas Renner. Tanto lá quanto aqui o dono é o mercado”, diz.
Magda ressalta a importância da transparência e franqueza entre o fundador e sua família, bem como junto aos sócios, para discutir o futuro da empresa. É comum o empresário isolar-se por achar que o problema é só dele e concentrar em si a busca por soluções. Quando comunica aos familiares seus projetos para o negócio, pode deparar-se com o despreparo dos parentes e não aceitação das propostas apresentadas.
“O ideal é compartilhar e poder juntos estabelecer as metas e limites. Se o objetivo é salvar a empresar, vamos preservar o negócio para poder preservar a família.” O conselho da fundadora do Instituto Sucessor é colocar em primeiro lugar o que é a melhor solução para a empresa, pois isso deixará a família em boas condições. Uma empresa bem administrada, mesmo que não seja por um herdeiro direto mas que mantenha a sua lucratividade terá retorno financeiro. Se não há uma definição das ações, os dois podem quebrar, tanto o empreendimento quanto a família.
Prós e contras
Entre as vantagens de se ter uma empresa familiar, destacam-se: | Entre as desvantagens estão: |
• O interesse em torno de um patrimônio comum. • A sucessão de herdeiros competentes que poderão dar sustentabilidade e continuidade ao empreendimento. • O sentimento de ter um negócio próprio que pode gerar motivação, responsabilidade e prazer. • Conhecimento profundo da empresa e, com isso, melhores chances de suportar dificuldades e a busca por soluções. • Por ser familiar, criar forte relação de credibilidade e confiança com seus clientes. |
• A concorrência entre os familiares pode levar ao estresse e à perda de foco, prejudicando os negócios. • A existência de nepotismo onde todos querem viver do dinheiro da empresa. • A dificuldade em demitir devido ao laço familiar. • A falta de separação entre o que deve ser vivenciado na empresa e o que deve ser vivido em casa. • A utilização da estrutura da empresa para fins particulares. • A impunidade ao descumprir regras, o que gera sentimento negativo, especialmente em funcionários. |
Fonte: Consultoria Siegen |